Cabelo

Artforum International

Adriano Pedrosa

revista Artforum International vol. 41 nº 3 | Novembro de 2002

A obra do artista Cabelo ganhou notoriedade, pela primeira vez, em 1996, quando participou da mostra “Antarctica Artes com a Folha”. Esta mostra apresentou uma nova geração de artistas brasileiros, após a geração da qual fazem parte: Ernesto Neto, Adriana Varejão e Rosangela Rennó, incluindo Rivane Neuenschaander, Marepe, Laura Lima, José Damasceno, Jarbas Lopes e Sandra Cinto.

Em 1997, Cabelo participou da Documenta X, onde apresentou uma performance complexa, que contou com a participação de atores, um aquário e fios que conectavam os participantes e também pegavam fogo.

As obras apresentadas na Galeria Paulo Fernandes faziam parte de uma coleção de desenhos, em produção, feitos em pedaços de tecido de algodão fino. Na ocasião, o artista usou, sobretudo, o tecido branco (acrescentando alguns recortes de pano num tom forte laranja), onde ele desenhou com violeta genciana, uma tinta roxa, muito usada como bactericida e fungicida. A exposição foi realizada na nova “galeria vitrine”, da Galeria Paulo Fernandes, localizada de frente para as ruas do centro antigo do Rio, próxima à galeria antiga. As três paredes do interior da galeria foram quase totalmente cobertas com pedaços de tecido em vários tamanhos, pendurados de forma displicente, como se fossem lençóis manchados e rasgados, pregados na parede. No chão havia doze esculturas manchadas de roxo, feitas de saco do mesmo tecido, cheios de areia, parecendo protótipos de figuras humanas, do tamanho de uma criança, e desenhados em suas superfícies. A galeria parecia um quarto estranho de criança, repleto de brinquedos assustadores e desenhos apocalípticos.

As obras do Cabelo, frequentemente constroem ficções fantásticas e evasivas, que fazem referências poéticas e políticas, usando fortes narrativas e personagens. Muitas vezes, ele usa a imagem de uma figura monstruosa, que aparece entrelaçada por manchas e linhas roxas, em diversas cenas e situações. As linhas representam algo, ou muitas coisas, mas só conseguimos chegar ao estágio de imaginar o que poderiam ser – raízes, caminhos, estradas, rios, veias, correntes de água ou sangue, cordões umbilicais.  Poderiam ser algum tipo de linguagem estrangeira ou ilegível? Ou  simplesmente uma linha roxa pura abstrata, que representa apenas uma linha?

O resultado disso tudo é simples, porém complexo, transbordando em conotações violentas e sexuais. A forma aparentemente simples das obras, instaladas ao acaso, emprestam uma fragilidade e precariedade aos temas profundos do artista, que falam de vida e morte; a violeta genciana vai se apagando lentamente.

Finalmente, o título da exposição, “Suite Volátil” (Volatile Suite), que alude a Suite Vollard, 1930-37, de Picasso, a famosa série de gravuras que foram exibidas no Paço Imperial, denota a natureza instável de toda a exposição. Esta foi a mostra do artista mais despretensiosa, embora tenha sido uma das mais bem realizadas, onde conteúdo, forma e media foram articulados com muita precisão. Unindo a fragilidade dos materiais e um acabamento rudimentar a uma instalação casual da obra, o artista evocou o “transbordar” entre arte e vida; justificando a exposição deste trabalho ter sido realizada numa vitrine de rua, no movimentado centro da cidade do Rio de Janeiro, e não numa atmosfera de requinte.